NOTA DE REPÚDIO: É nulo acordo que imputa pena substitutiva a trabalhador em estado de miserabilidade que exerce direito de ação.

O Movimento da Advocacia Trabalhista Independente (MATI) tomou conhecimento na data de ontem (21.09.2020) da decisão de homologação de acordo efetuado em execução trabalhista, na qual o trabalhador se comprometeu a efetuar o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, devidos aos patronos da empresa, por meio de serviços comunitários.

O acordo foi entabulado nos autos do n°. 0001007-68.2018.5.17.0011, da 11ª Vara do Trabalho de Vitória/ES, cuja divulgação e publicidade foram eleitas pelas partes, que se tratou de reclamação trabalhista que tinha como objeto o reconhecimento de vínculo de emprego e, que em decisão com trânsito em julgado, resultou em insucesso do trabalhador e na condenação dele em honorários de sucumbência. Honorários em relação aos quais havia determinação de condição suspensiva, portanto, sem exigibilidade.

Não é novidade que a denominada reforma trabalhista (Lei n. 13.467/17) desde o seu período antecedente à publicação foi alvo de severas críticas, sobretudo no âmbito do direito processual que modificava, especialmente em relação ao acesso à justiça.

Um dos aspectos mais perversos de mencionada legislação foi a possibilidade de impor ao(à) trabalhador(a) a condenação de honorários advocatícios de sucumbência, sob falacioso discurso de valorização da advocacia trabalhista.

Não é estranho aos profissionais que militam no Direito do Trabalho, historicamente, que as relações contratuais de trabalho são dotadas de particularidades não identificadas em outras relações contratuais, ou acentuadas no corpo das relações de emprego.

A assimetria inerente à relação de emprego, assentada na figura da subordinação jurídica, identificadas na exploração do corpo, da força do trabalho, da mais-valia, insere a classe trabalhadora em condição de impossibilidade negocial, quase absoluta, dentro da relação de emprego.

O abismo existente entre as partes contratantes na relação de emprego, assim como a dependência econômica e financeira do(a) trabalhador(a) anotam que apenas dentro do Poder Judiciário se autoriza que os(as) empregados(as) possam debater e discutir cláusulas e condições impostas pelo empregador.

Cientes disso setores detentores do poder econômico e do capital financeiro há algum tempo têm buscado a marginalização das ações trabalhistas, a partir do enfretamento que os processos trazem à cultura do descumprimento a direitos, onde a delinquência patronal aumenta a exploração da mais-valia e acentua as desigualdades econômicas e sociais. Indiscutivelmente este modo de agir se reproduziu em dispositivos legais que obstaculizam o acesso à justiça, presentes no corpo da Lei n. 13.467/17, a despeito de violações à Declaração Universal de Direitos Humanos e da Constituição Federal de 1988, por não dizer outros.

Mas a sociedade brasileira, desumanizada e mergulhada em um retrocesso social jamais visto em sua curta, vilipendiada e maltratada democracia, jamais estaria satisfeita unicamente com o lançamento abstrato de dispositivos legais que impõem verdadeiro assédio processual aos(às) trabalhadores(as).

É necessário, para esta sociedade, que ignora suas centenas de milhares de mortos em meio à pandemia, que se materialize a perversidade e a face nefasta do capital, de mãos dadas como o Poder Judiciário, por meio do recado entregue pela intimidação processual presente na Lei n. 13.467/17.

É necessário, para esta sociedade, tal como na inquisição da idade média, onde os(as) hereges eram executados(as) em Praça Pública, ou, em nossa recente história, onde traidores eram decapitados e mutilados e depois expostos, que o(a) trabalhador(a), contemplado com o direito à inexigibilidade de sua dívida, igualmente sejam expostos publicamente. Pagando sua dívida (processual) com o que possui, seu corpo, sua força de trabalho a bem da sociedade ou da organização a ser premiada com os seus serviços, nos moldes de como se vínculo fosse, mas sem que haja recebimento de salário.

É necessário, para esta sociedade, que o(a) trabalhador(a) pague sua dívida com a usurpação do modelo de contrato que buscou ver reconhecido no âmbito do Poder Judiciário. É necessário sinalizar à toda a classe trabalhadora que o Brasil jamais deixou seu modelo colonial e escravista, e que os senhores de engenho do século XXI vestem roupas outras, falam de um outro modo, usam outras armas, mas seguem com os mesmos objetivos.

O Movimento da Advocacia Trabalhista Independente – MATI, compreende que o acordo, cuja divulgação restou autorizada como exemplo de postura, emerge sinais de uma sociedade que adoece, cada dia mais, e que necessita ser tratada, a partir da compreensão de que os cuidados e a preocupação com o ser humano devem estar na centralidade de qualquer debate. Entender que o acordo alcançado no mencionado processo possa ser referendado como meio de solução de conflito é permitir que as senzalas sejam reedificadas com tijolos institucionais.