TST cita artigo de conselheira do MATI em decisão

Em decisão proferida nos autos do AIRR – 131-84.2017.5.09.0007, o relator do processo Ministro Evandro Pereira Valadão, utilizou como um dos fundamentos da decisão artigo da conselheira do MATI Dra. Bianca Neves Bomfim Carelli.

O trecho do acórdão mencionado, assim consignou: “Acrescento, também, a doutrina de BIANCA NEVES BOMFIM e Rodrigo de Lacerda Carelli (BOMFIM, B. N. e CARELLI, R. de L. O trabalho
realizado em navios e a aplicação da legislação material trabalhista.

Revista LTr, 80-06/680. São Paulo, p. 680/684, junho, 2016):

1) Embora o Código de Bustamante disponha sobre a nacionalidade do navio para a regulação das relações jurídicas, a utilização de bandeiras de conveniência (favor ou aluguel) propicia a fuga da legislação de determinado país, possibilitando o aproveitamento da ficção da extensão do direito do país do pavilhão a seu favor, em prejuízo do restante, incluindo os trabalhadores. A Convenção das Nações Unidas sobre Direitos do Mar (CNUDM) também segue a regra da Lei do Pavilhão, mas indica ser necessário “um vínculo substancial entre o Estado e o navio”, permitindo, assim, a desconsideração de uma bandeira meramente fictícia:

” (…) 2. O Código de Bustamante
O Código de Bustamante, nome dado ao Código de Direito Internacional Americano, de 1928, que entrou em vigor no Brasil no ano seguinte, foi o primeiro instrumento a regular a questão quanto a navios e aeronaves que singram os mares na “terra – ou água – de ninguém”.

Por ela se dispôs, nos arts. 274 e seguintes, que a lei material que regularia as relações jurídicas em naves, no ar ou no mar internacional, seria o da nacionalidade da embarcação. E a chamada “lei do pavilhão”, referente a bandeira, ou pavilhão, sinal distintivo aparente da nacionalidade da nave. Seriam as embarcações, assim, extensão fictícia do próprio território ao qual pertence a aeronave ou navio. A solução encontrada segue uma boa logica, a de estender a lei territorial da nacionalidade da embarcação, por se tratar de continuação das relações jurídicas que ocorrem no território de cada país.
Desta forma, as regras de Direito do Trabalho aplicáveis no âmbito dos trabalhadores de determinado navio seriam do país de registro da embarcação, quando o trabalho for realizado em mar internacional.

Entretanto, tal solução começou a gerar problemas quando surgiram, para a fuga da legislação dos países da real nacionalidade das embarcações, as chamadas “bandeiras de conveniência, de favor ou de aluguel”. Trata-se da utilização, tal qual na época da pirataria, de registro de nacionalidade, e ostentam o sinal distintivo aparente que é a bandeira – ou pavilhão -, daquele de quem de verdade explora a atividade econômica, com o fim de encontrar regras jurídicas mais frágeis, sejam elas tributárias, sejam elas trabalhistas. Ou seja, e um meio de fuga da legislação de determinado país, aproveitando-se a ficção da extensão do direito do país do pavilhão a seu favor, e prejuízo do resto, incluindo os trabalhadores.

A Convenção das Nações Unidas sobre Direitos do Mar (CNUDM), que também segue essa regra, no art. 92, parágrafo 1, afirma que, em alto mar, os navios se submetem a jurisdição exclusiva do Estado da bandeira. Entretanto, nos traz no mesmo dispositivo que deve existir “um vínculo substancial entre o Estado e o navio”, podendo ser, com base nesse artigo, desconsiderada a bandeira fictícia sempre que for utilizada somente para a fuga do Direito de determinado país relacionado com o navio. Saliente-se, também, que a regra vale para o alto-mar, abrindo a possibilidade de extensão do direito de outros países, dependendo da sua ligação com o país costeiro.”

2) Continuam Bomfim e Carelli a discorrer que a Convenção Internacional dos Marítimos (MLC 2006, não ratificada pelo Brasil, ou seja, inaplicável para as relações trabalhistas em navios com registro brasileiro) tenta regular a questão internacionalmente, no âmbito do direito do trabalho, estabelecendo patamares mínimos de direitos globalmente, como estratégia internacional de combate as bandeiras de conveniência:

  1. Estratégia Internacional de Combate as bandeiras de aluguel ou conveniência – A Convenção Internacional dos Marítimos (MLC 2006)

Além do dispositivo acima citado da CNUDM, a Convenção Internacional dos Marítimos (Maritime Labour Convention – MLC 2006) foi uma das respostas a esse problema, tentando regular a questão internacionalmente, no âmbito do Direito do Trabalho. Ela foi adotada em uma Conferência Internacional do Trabalho extraordinária, em fevereiro de 2006, com o fim de prover padrões internacionais para a primeira indústria genuinamente global. Busca conceder aos trabalhadores marítimos condições decentes de trabalho em vários aspectos, como idade mínima, horas de trabalho e descanso, pagamento, férias, repatriação no fim de contrato, acomodação, alimentação e proteção a saúde e segurança dos trabalhadores, inclusive quanto a prevenção de acidentes.

Com o fim de estabelecer efetivamente esse patamar mínimo de direitos globalmente, e ser o quarto pilar da regulação internacional marítima, juntamente com as convenções chaves da Organização Marítima Internacional, a OIT teve a preocupação de, ao contrário das demais convenções, que entram em vigor doze meses após a ratificação pelo país membro, que a MLC entrasse em vigor após grande parte do setor marítimo ser atingido efetivamente.

Estabeleceu-se, assim, que entraria em vigor após ser atendido o mínimo de 30 países ratificantes, bem como fossem representados 33 por cento da tonelagem bruta mundial da navegação nas ratificações. A MLC entrou em vigor em 30 de agosto de 2013.

Atualmente, 56 países ratificaram e mais de 80% da tonelagem global, demonstrando sua capilaridade, em termos de vigência em relação ao que circula na navegação mundial. O Brasil não e um dos países que ratificaram a MLC 2006, não sendo aplicável, assim, para as relações de trabalho em navios com registro brasileiro.

3) E prosseguem os doutrinadores Bomfim e Carelli que, no Brasil, as estratégias de combate as bandeiras de conveniência consubstanciam-se na aplicação da Lei 7.064/82 (que, inicialmente, tratava de empregados do ramo de engenharia que trabalhavam no exterior, mas em 2009 passou a regular direitos sociais e fundamentais de todos os trabalhadores contratados no Brasil e transferidos para o exterior, desde que mais benéfica, afastando o entendimento da Sumula 207 do TST) e da teoria do centro de gravidade (as normas de direito internacional privado são descartadas quando houver relação mais estreita com outro direito), excluindo a Lei do Pavilhão:

“4. Estratégias nacionais de combate as bandeiras de conveniência – A Lei nº 7064/1982 e a Teoria do Centro de Gravidade

Porém, essa não é a única estratégia. Os países também, seja por meios instrumentos legais, ou por interpretação das normas jurídicas realizadas pelo Poder Judiciário, afastam a regra geral da lei do pavilhão para a aplicação do direito material nacional, quando há a possibilidade de o direito estrangeiro vir a prejudicar, de alguma forma, seus cidadãos.

http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaDocumento/despacho.do?anoProcInt=2020&numProcInt=118738&dtaPublicacaoStr=01/02/2021%2019:00:00&nia=0TST