Artigo: quando todo mundo perde

O Brasil passou recentemente por sua eleição mais conturbada. Seja pela propagação de notícias falsas ou pelos debates calorosos; pela falta de propostas de governo ou estratégias para alavancar a economia.

O que se descobriu, na maioria dos casos, foi dissabor, desamor, armações e paixões.

Sim, paixões. A premissa de que a paixão inebria, ludibria, entontece, aqui, foi verdadeira. Venceu o ódio.

Explico: assisto, neste momento, atônita o anúncio de que o Governo Eleito Democraticamente exige “comemorações devidas” aos 55 anos (próximo dia 31) da instauração do Regime Militar no Brasil, em 1964.

Não se importar com o que acontece neste momento no país é, no mínimo, curioso. Vivemos o tempo dos cortes na “própria carne”. Resta saber, qual carne será cortada…

Uma boa parte da população jogou todas as suas expectativas neste Governo e hoje, 1 de cada 3 votantes no eleito já está arrependida.

Bolsonaro, tem seus créditos, nunca escondeu a que veio. Defendeu o Golpe Militar de 1964, a extinção de direitos sociais, sempre vociferou contra minorias, não é afeto ao diálogo e tampouco à retórica. Ele é limitado. Disse que governa para uma parte da população. Apenas para os seus. Embora eleito para presidir um país continental, multicultural, diversificado, somente os seus merecem sua governança.

Se Deus é brasileiro, ao que parece, Ele mudou a nacionalidade. O Brasil se encontra hoje sem líder para todos, sem projeto de governo -nas palavras do Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia- e recheado de apaixonados. Os apaixonados pelo discurso de uma extrema direita que só pensa em se beneficiar do hoje. Digo hoje porque o amanhã, até mesmo para o mais otimista dos cidadãos, é caótico. É impossível vislumbrar um país rico e próspero com uma população cada vez mais pobre.

A Reforma Trabalhista de 2017, foi aprovada como um relâmpago; três meses. Nunca houve um projeto tão esbaforido e conturbado como a lei 13.467. A única explicação plausível para isso é pautada novamente na paixão (que cega) e no desespero (que aliena).  O país mergulha numa profunda crise desde 2013 e a promessa de gerar mais empregos para uma população desempregada venceu a todos os argumentos razoáveis e verdadeiros sobre a desgraça trazida historicamente pela precarização de direitos, em especial os sociais.

Hoje, dois anos após a aprovação da malfadada Reforma Trabalhista, esta não entregou o que prometeu e o desemprego assola o país.

Como se a árdua lição não tivesse surtido efeito, novamente o discurso é o de derrocada de Direitos. A alegação mais recorrente é a de que o país precisa atrair investidores. Para isso, pretende-se a extinção da especializada. Nenhuma discussão no sentido de diminuir tributos, de conscientizar grandes empresas sobre sonegação fiscal, nada se fala sobre uma tributação mais equilibrada ou mesmo sobre distribuição de renda mais coerente. A solução dada por Jair Bolsonaro e sua trupe, mesmo com o alerta de especialistas no assunto no sentido contrário, é a de que os direitos dos trabalhadores devem ser cortados.

O que chama atenção neste caso, é o apoio de grande parte de seu eleitorado que ainda segue apaixonado. Muitos ainda não percebem que eles também perderam. Todo mundo perdeu.

Ora, fazendo uma analogia, na escravidão não existiu desemprego. Exigir, no século XXI, que não haja desemprego é ingênuo. A população cresceu, o mundo se modernizou e as profissões também.

A culpa não é do Direito.  Essa é a era das superações, das alternativas. Não há discurso simples, nem atitudes que modificarão as coisas do dia para noite.

Precisamos nos curar das paixões, retomar nosso juízo e crença em nós como nação. Penalizar a Justiça num todo porque discordamos de algo que ela representa, só nos apequena.

Seguir o que alguém diz, sem conferir a fonte ou os interesses que aquelas afirmações trazem. Nos apequena, faz com que sejamos pessoas passíveis de manipulação. A nossa relação com o país que defendemos e dependemos deve ser de amor, jamais de paixão. Cegos, perdemos todos.

Quando deixamos de questionar, de buscar alternativas e nos ressentimos sempre em desfavor do mais fraco, passamos a ser o povo que todo governante mal-intencionado quer. Aquele que nutre sempre o mais rico, o mais poderoso e o mais oportunista.

Já que o Presidente eleito tanto admira a Ditadura militar, ele bem que poderia espelhar-se nela e deixar a Justiça do Trabalho em paz. Nem a Ditadura ousou retirar as ferramentas que mantém resguardada o mínimo dos direitos necessários para o equilíbrio da relação entre o capital e trabalho.

Eidy Lian Cabeza é advogada trabalhista, e formada em Comunicação Social. É coordenadora do Movimento em Defesa da Justiça do Trabalho e Coordenadora Regional do MATI em São Paulo.